Pai nosso que estás nos céus (Mt 6:9a)

Posted: sexta-feira, 3 de junho de 2011 by Sung Ho in Marcadores: ,
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Pai nosso que estás nos céus.



"Pai nosso que estás nos céus". (Mt 6:9a)

1. Um santo paradoxo.

Não há frase mais paradoxal do que essa na oração que Jesus nos ensinou. Um pai que se preze costuma estar perto, junto do seu filho. Porém Jesus repetidas vezes, principalmente em Mateus usou a expressão “Pai Celestial” (e.g. Mt 5:48) para se dirigir a Deus.

Se fôssemos traduzir essa expressão na linguagem comum seria algo como: “Paizinho, que mesmo estando tão perto, não deixa de ser tão grande que nem os céus podem conter-Te”. Sim! Deus é Pai. O termo que o Evangelista Mateus usa é πατέρ (patér) que provavelmente está próximo ao aB'a; (abbā), termo esse que expressa afeição íntima dos filhos aos pais na antiguidade. Seria o equivalente ao “papai” ou até ao “paizinho”.[1]

Jesus foi revolucionário. Talvez Ele tenha sido o primeiro a se dirigir a Deus daquela maneira. Os judeus tinham uma maneira muito respeitosa e zelosa ao se dirigir à YHWH, áCristo podia chamar Deus de “papai”, porque de fato Ele era o seu Filho, seu Unigênito. Se Jesus mostrava tamanha afeição com o Pai, Deus também lhe demonstrava igual amor: “Esse é meu filho amado em quem me comprazo” (cf. Mt 3:17). O Pai que ama eternamente  Filho, o Filho que ama eternamente o Pai. Com certeza, é daqui que emana tamanha intimidade, cumplicidade e unicidade.

Da mesma maneira que Jesus se dirige a Deus como “papai”, Ele também nos ensina a fazermos o mesmo: “Portanto, vós orareis assim: Pai nosso (...)” (Mt 6:9). Mas uma coisa é Jesus chamar Deus de “paizinho”, outra coisa é nós O chamarmos dessa maneira. Quando pensamos em Deus de maneira séria, não há como não nos maravilharmos no fato de que temos a possibilidade, a permissão de Jesus de nos dirigirmos a Deus de uma maneira tão íntima. Essa intimidade que não nasce de nós, mas nos é investido pelo próprio Deus, em outras palavras, foi Deus que deu o primeiro passo em nossa direção. Se estamos “perto” Dele, é porque Ele se achegou a nós.

É radical a mudança que Jesus trouxe ao mundo. No Antigo Testamento não vemos em nenhum lugar homem algum se dirigir a Deus como “Papai”. Deus em algumas oportunidades se referiu ao seu povo como filho, até aos anjos como filhos, mas nunca a recíproca. Talvez na mente dos antigos, chamar Deus de pai significaria igualá-lO aos nossos pais carnais, limitados e falhos, o que seria um sacrilégio.

Mas o interessante aqui é que mesmo se dirigindo de maneira tão íntima a Deus, Jesus tem a exata noção de quem Deus é: Ele é o Pai que está no Céu... Ao mesmo tempo que Deus está absolutamente próximo, ao ponto de se encarnar e habitar no nosso meio, ao ponto de enviar seu Espírito para fazer morada dentro de nós, Ele é o Deus Todo-Poderoso, Soberano e Santo. Ao mesmo tempo que Ele é plenamente imanente, é absolutamente transcendente.

Só é intimo de Deus quem sabe dessas duas dimensões. O salmista diz: “a Intimidade do SENHOR é para os que o temem, aos quais ELE dará a conhecer a SUA aliança” (Salmos 25:14). A balança da Transcendência-Imanência deve estar equilibrada.

2. Pai NOSSO?

“Pai NOSSO, que estás nos céus”. Nosso... 1a. Pessoa do plural. Nós quem? Primeiro Jesus, mas depois, todos aqueles que se são filhos desse Pai Celestial. Karl Barth comenta assim essa expressão:

O Pai-Nosso não é uma forma de oração qualquer, dirigida à “não importa quem”. Ela pressupõe “nós”: Pai Nosso! Um Pai que o é para nós, de uma maneira toda particular. Este “nós” foi criado por ordem de Jesus Cristo que nos manda segui-lo. Ele implica na comunhão do homem que ora com Jesus Cristo, sua existência na irmandade dos filhos de Deus. Jesus Cristo nos convida, nos ordena, nos permite falar com Ele a Deus, orar com Ele a sua oração, juntarmo-nos a Ele na oração dominical: portanto, adorar a Deus, orar a Deus louvá-lO com uma só boca, uma só alma, com Ele, unidos a Ele[2].

Orar é sempre orar com Cristo: mediante Ele, no poder do Espírito, para Deus. A oração nunca é algo solitário. No mínimo, a Santíssima Trindade está toda envolvida nisso.  Jesus divide parte de sua filiação conosco, com todos aqueles que se tornam filhos mediante a fé. O apostolo João diz assim: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber: aos que crêem no seu nome” (Jo 1:12). SE fomos feitos filhos, temos acesso ao Pai de maneira toda especial... nós podemos orar: “Pai nosso”...

Há um relacionamento dos filhos que oram com Pai, e dos filhos que oram juntos para o Pai. Não temos apenas um relacionamento vertical, mas horizontal: na oração, temos uma comunhão espiritual com os demais filhos de Deus. Esse NOSSO engloba muito mais gente do que imaginamos... é a junção de toda a família da fé, de todo o Reino de Deus, de toda a Trindade: oração é o meio perfeito de comunicação.

3. Paradigma da relação Pai-Filho.

A nossa primeira reação é compararmos os nossos pais terrenos com o Pai Celestial. Pensamos que o relacionamento entre pai e filhos do mundo refletem o relacionamento entre o Pai Celeste com Cristo e conosco. O Evangelho nos convida a fazermos o caminho oposto: o modelo ideal é o perfeito vinculo de comunhão que dá entre Deus e Jesus Cristo, o qual transborda para nós crentes. É por isso que Barth dizia: “Tudo isso que existe entre nós, não é senão a imagem desta filiação original”[3].

O convite, ao orarmos as primeiras palavras da oração dominical, é entendermos que somos filhos de Deus, que essa filiação foi chancelada em Cristo e que todos nós temos um “paizinho” Todo-poderoso.


[1] Cf. HAGNER, Donald A. Mathew 1-13 in Word Biblical Commentary, Thomans Nelson, Nashville, 1993, pág. 147.
[2] Cf. BARTH, Karl. O Pai Nosso. A oração que Jesus ensinou aos seus discípulos. Fonte Editorial, São Paulo, 2006, pág. 31 e 32.
[3] Ibid. pág. 34.

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